Desígnios e enredos de uma cidade
Nas fotografias de Leonardo Finotti, é atestado um verdadeiro milagre dentro do palimpsesto que se tornou o tecido urbano de São Paulo. O bairro de Higienópolis (e cercanias) e suas construções elegantes e racionais, que criam um harmônico sentido de comunidade pouco comparável em meio ao caótico e praticamente ausente planejamento da metrópole, é retratado por meio de registros rigorosos obtidos pelo foco do autor.
Tais procedimentos severos fazem com que os poucos minutos de luz, a banhar meios-fios e brise soleils, sejam elementos decisivos das composições plásticas das imagens, por exemplo. Ou que uma certa catalogação, uma espécie de inventário das fachadas, vire um dos procedimentos básicos da produção de Finotti. Parte fundamental do modernismo da arquitetura brasileira, a fachada é como um cartão de visita para adentrarmos no corpus de tal campo, motivo de orgulho em âmbito internacional e que, ao menos até os anos 60, era comum nos horizontes verticalizados continuamente das urbes nacionais. Pouco a pouco, essas paisagens sucumbiram a soluções fáceis e mais afeitas à especulação imobiliária e outros interesses político-econômicos. O desenrolar dessa vulgaridade resultou em recentes monstrengos destinado ao consumo das elites, cujas caras construções podem responder por nomes como ‘neoclássico’, ‘mediterrâneo’ e até ‘contemporâneo’. Pelo tombamento de órgãos de preservação de patrimônio e mobilização de moradores, Higienópolis, ainda bem, manteve grande integridade como bairro e pouco foi prejudicado, em linhas gerais _ mesmo que agora, entre outras transformações, diversos térreos livres tenham recebido grades, barreiras e variadas soluções de segurança, dentro de corrente nível de temor.
Assim, Finotti insere o seu olhar frente ao particular lugar paulistano no projeto LAMA (Latin American Modern Architecture), proposição de sua autoria e que terá o recorte de Higienópolis publicado agora em edição especial da revista Monolito. Pelas lentes do autor, portanto, edifícios de Levi, Artigas, Heep e Jurado, entre tantos outros, terão guarida, sendo registrados dentro de um escopo ambicioso e com realização minuciosa. Brises, cobogós, plantas livres, pilotis, vazios e concreto que constituem a importância de projetos situados em logradouros com nome de mulher (Angélica, Veridiana, Maria Antônia) e que fizeram dessa arquitetura tropical centro de discussões mundo afora irão gerar novas inquietações e embates. Considerações a nos lembrar que, há nem tanto tempo atrás, a arquitetura era parte fulcral de um projeto de país.
Mario Gioia, fevereiro de 2014